03/12/2010

No topo do mundo, Potosí

Quando decidimos ir a Potosí tínhamos como referência que esta é a cidade mais alta do mundo, localizada a cerca de 4.000 metros de altitude. Como tal, a estrada entre Sucre e Potosí é belíssima porque nos permite diversos olhares sobre a cordilheira dos Andes. A viagem é curta, nada mais do que 3 horas, portanto o ideal é fazê-la de dia para observar a imponência destas montanhas.


Por estar tão alta, Potosí é uma cidade fria durante a noite e quente durante o dia. Por outro lado, a altitude elevada provoca algumas dores de cabeça e alguma fadiga porque o ar é mais rarefeito. A solução é beber mate de coca ou então mastigar folhas de coca para poder dilatar os vasos sanguíneos e assim diminuir a pressão.
Historicamente, a cidade de Potosí é uma das mais importantes da América do Sul. Devido às muitas montanhas que aqui existem a quantidade de minérios é abundante, sobretudo de prata e estanho. Assim, durante o período colonial, escravos trazidos de África, mas também milhares de indígenas foram obrigados a trabalhar dia e noite nas minas de forma a financiar todo o império espanhol. A mina mais importante está localizada no Cerro Rico, do qual é possível ter uma vista deslumbrante de todo Potosí e dos Andes. Ainda em funcionamento, esta mina é conhecida como a Montanha que come homens vivos porque durante o período colonial morreram aqui mais de 8 milhões de mineiros. É uma realidade bem dura a que ainda hoje se vive nesta região. Homens de todas as idades, mas infelizmente também crianças (apesar do número ter vindo a diminuir devido à intervenção de ONG de todo o mundo) labutam todos os dias, por vezes 24 horas seguidas, alimentando-se de folhas de coca para se manterem acordados, diminuírem a fome e terem mais energia. Apesar de ser algo cultural, porque não existem muitas outras oportunidades de trabalho a quem não tem estudos, o que é certo é que nenhum destes homens vive acima dos 50 porque a elevada exposição ao pó dos minérios acaba por provocar lesões irreversíveis nos pulmões. É também curioso perceber que os mineiros que aqui trabalham embora religiosos convictos fazem oferendas ao diabo no interior das minas como forma de se protegerem contra explosões e outros perigos que aqui existem diariamente. Dizem que fora das minas o protector é Deus, mas no interior das minas quem manda é o diabo. Para o efeito em cada mina existe uma imagem de uma espécie de belzebu, à qual chamam de El Tio, e que diariamente recebe oferendas como folhas de coca, bebidas alcoólicas, cigarros entre outros. Quando a extracção de minério está fraca sacrificam um lama atirando o seu sangue contra a entrada das minas como forma de satisfazer “El Tio” de sangue para que não sacrifique as vidas humanas dos trabalhadores. Sugiro a quem não teve a oportunidade de visitar uma destas minas que veja o filme “The Devil’s Miner”, é chocante mas mostra a realidade nua e crua como ela é.


Para além das minas que são indubitavelmente a principal atracção da cidade, Potosí é igualmente famosa pelo seu Museo de La Casa Nacional de la Moneda. Com uma duração média de duas horas, a visita a este museu permite-nos passar em revista todo o processo de extracção de minérios das montanhas do Cerro Rico, a fundição dos respectivos minérios e a consequente produção de moedas que eram utilizadas para trocas comerciais desde o período colonial até ao início do século XX. Se inicialmente as moedas tinham formas irregulares porque as máquinas existentes eram pouco precisas à medida que os anos foram passando a Suíça desenvolveu um modelo chamado Maquina Laminadora de Metal cuja força motriz eram os cavalos e mulas. Devido à altitude, frio e excesso de esforço estes animais não viviam mais do que 70 dias. O museu reúne ainda uma colecção de minerais da América do Sul, bem como uma colecção de objectos de prata existentes em diversas igrejas bolivianas e finalmente uma colecção paleontológica que apresenta desde utensílios de cerâmica de tribos indígenas a múmias de crianças que estiveram armazenadas numa igreja boliviana durante séculos.

O centro da cidade é também bonito de se visitar. A praça principal, apelidada de Plaza 10 de Noviembre, apresenta várias esculturas banhadas em ouro bem como um instrumento musical que caracteriza o lado folclórico e cultural deste povo. Junto à praça está também a imponente Catedral de Potosí, com muita arte sacra para apreciar, bem como o Mercado Central, a opção mais acertada para almoçar ou comprar produtos regionais.


Realço que Potosí está de momento a comemorar o seu bicentenário pelo que a cidade está em festa, com uma programação cultural mais forte. Com os Andes como cartão-de-visita a viagem prossegue em direcção à maior planície salgada do mundo, o Salar de Uyuni. Serão três dias de expedição para não mais esquecer.

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